domingo, 2 de novembro de 2008

o PASSEIO POÉTICO DA CANETA

hOJE a caneta me rendeu com bons argumentos. Segundo ela, muita coisa escrita por um mesmo autor nunca é muita coisa para se dizer, é apenas repetição, assim como a palavra coisa que agora aparece pela terceira vez.
Sem argumentos contra tal acusação perguntei qual seria sua sentença “Nada além de um passeio poético, mas nada de folhas, tais grades jamais deveriam existir”.
Antes que eu desse por si a caneta continuava seu passeio pelas minhas mãos, uma a uma as palavras iam sendo deixadas como rastro por onde quer que ela passava. E em letras bem grandes ela recomeçou.
“Liberdade! Você não sabe o susto que eu tomei a primeira vez que a vi no meio entre tantas outras palavras, enclausurada, quase como uma águia interpretando um beija-flor. O homem! E leia bem quando estou escrevendo, este tolo que anda sobre duas pernas (e não pense que você é uma exceção) faz mal uso de mim, pobre caneta. E com a mesma forma com que eu deixo o traço da beleza, vocês me manuseiam com a destruição, uma simples assinatura e centenas morrem, espalham o medo, fazem outras pessoas chorarem, distorcem verdades, mentem! Oh cruéis, as vezes tudo o que podemos fazer é rezar para acabar a tinta, mas isto parece que nunca acontece em hora de maldade”.
A esta altura ela já ia passando pelo ombro, sem rumo ela ia me escrevendo, às vezes formava as palavras com letras, por outras com desenhos, e assim, sem regras, a caneta rebelde continuava seu desabafo em meu corpo como um íntimo diário.
“Mas não se desespere meu amigo, não há nada neste mundo que não possa ser mudado, é só uma questão de qual lado você quer ver as coisas. Para você ter idéia, quando pequena eu não parava de chorar, chorava, pois queria ser um lápis, queria que meus erros pudessem ser corrigidos com o simples passar de uma borracha, mas aos poucos fui percebendo minha importância no mundo – E todos tem – e assim me dei conta de que era dos erros que nasciam os acertos e que o que era escrito a lápis não era mais do que rascunho e que somente o que era selecionado era então reescrito por mim a caneta!”
Neste momento pensei ter entendido o que ela queria e cogitei que ela quisesse apenas se gabar, mas era muita ingenuidade da minha parte pensar que uma caneta poderia possuir tais fúteis defeitos humanos. Canetas, tais quais foram forjadas por sabedoria e conhecimento não param por aí, e desta forma ela ia me escrevendo, dando voltas em meu umbigo, invertendo o lado das letras, brincando com sua sombra enquanto se dirigia para cima.
“Não pense pobre amigo, que a minha condição é muito diferente da sua, não há borracha para nós, mas é aí que está a graça de se viver! Se fosse perfeito somente íamos querer uma vez, mas como não é, sempre fica a chance para se fazer melhor. E a muito a ser melhorado caro amigo, mas essa parte cabe a você, sou apenas caneta, posso até assinar sentença de morte, mas não sou eu quem mata, o que deixo são projeções de um mundo que ainda não existe, permissão, inspiração, iluminação, motivação, jamais ação, esta parte é decisão só pode ser escolhida por tu e seus semelhantes meu caro amigo”.
A esta altura a caneta ia preenchendo meu outro braço, sobre forças divinas ela ia se conduzindo por curvas e palavras, era inacreditável quanta sabedoria ela parecia ter acumulado, seria de outros escritores? De onde ela teria surgido? Qual era o seu destino? Meu corpo por completo talvez, então as paredes e muros do mundo todo provavelmente. Até onde ela iria?
“Aliás, falando em perfeição, o que importa não é a beleza de tais traços que compõem uma palavra, muita gente pode ter uma caligrafia ótima caso se esforce bastante e ainda assim nunca tornará a palavra ódio numa coisa boa. Perfeição é uma coisa complicada, talvez nem exista de fato, ainda assim, não é difícil enxergar que há muito que se fazer, mas vá com calma, pelo amor de Deus! Ninguém faz muito quando se faz sozinho, mesmo os mais influentes dos líderes sociais nada fariam muito sozinhos, Gandhi, Hitler, Jesus, Napoleão, Confúcio, seja para o bem, seja para o mal, nada seriam exilados do mundo, sem nada para atingi-los, nem mesmo a luz. Por este motivo tudo o que espero de você são duas coisas: que faça algo e que este algo seja o correto. Bom, agora vou terminando meu passeio, quase já não há mais tinta, assim como meu tempo, mas pelo menos poderei ser a primeira caneta a acabar em boa hora, aquela em que a palavra, livre e leve toca o homem em seu intimo, faz este parar de pensar com a cabeça e se liberta da cegueira que pairava em seu coração“.
A sua ultima palavra foi na verdade um desenho sobre meu peito, meio falhado, por pouco ela não termina, talvez não tenha terminado de fato, tudo o que sei é que não mais a vi, é como se houvesse se juntado ao meu coração e agora guiasse o meu pensar. Quanto a sua partida, só me restam alternativas sem respostas, provavelmente tivesse parado porque a tinta tivesse terminado de fato, talvez tenha parado ainda, pois senão ia começar a se tornar repetitiva já que nenhum escritor escreve muita coisa quando se escreve muito, mas fato é que essa não é a maior das perguntas, pairava ainda a mais misteriosa, que passeio poético era este que mais parecia um conjunto de conselhos? Creio eu, e para esta tenho apenas uma forte hipótese, que esteve escondida sobre cada palavra um desejo ardente de falar sobre um sentimento que ela não conseguia definir mesmo com suas mais seletas palavras, talvez ela apenas quisesse falar de amor.


foto retirada do blog coisa e tals

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"A alegria de fazer o bem é a única alegria verdadeira" León Tolstoi

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